“Seus Olhos viam Deusas”: batemos um papo com Valciãn Calixto para entender melhor seu novo disco.

Música

Lançado neste 24 de agosto, “Seus Olhos Viam Deusas” é o novo disco do piauiense Valciãn Calixto, que levou dois anos para ser finalizado. As gravações tiveram início em junho de 2020 e só foram concluídas em julho de 2022.

Mixado e masterizado pelo amigo Fernando Bones, músico e produtor de Minas Gerais, o álbum traz 10 faixas e 2 interlúdios. O mineiro também participa tocando contrabaixo em “Confusão de Pensamentos”, música que abre o disco e conta ainda com as guitarras inventivas de Pedro Ben.

O tema central do disco é o amor, no seu sentido mais amplo. E como isso afeta as pessoas em seus mais diversos relacionamentos interpessoais. Valciãn se aprimora nisso a cada disco.

No disco anterior, “Nada Tem Sido Fácil Tampouco Impossível”, Calixto contou com participações de diversos artistas de outros estados, neste, com exceção de Bones, decidiu convidar músicos piauienses de gerações diferentes, são eles: Doka (Reação do Gueto), Mesclado Beats, Aivlis Amorim (Acácias) e Pedro Ben ( duben e ex-Alcaçuz). O escritor Agostinho Torres, que já havia dado as caras em Foda!, disco de estreia de Valciãn, reaparece brevemente neste terceiro trabalho em um dos interlúdios e até o sobrinho mais novo do artista também emprestou voz para o álbum.

Característica já conhecida nos trabalhos de Valciãn é a facilidade em passear e misturar ritmos. Dessa vez o artista passeia pelo new reggae, inspirado por cantoras como Sevana e Lila Iké, também pelo arrocha, balada e o trap.

Valciãn Calixto. Foto: Divulgação.

Conversamos com o artista sobre esse novo trabalho.

Rubens – Terceiro disco em 3 anos. E bons discos. Parece haver uma necessidade urgente de extravasar toda essa criatividade/mensagem. É isso mesmo?

Valciãn – Antes de mais nada, queria agradecer ao NoiseLand pelo espaço. Li as perguntas todas já antes de começar a responder e vocês estão de parabéns pelo roteiro. Vai ser um ótimo papo.

Então, tuitei esses dias sobre como em 2015 eu era um artista extremamente angustiado, cheio de músicas, tocando bem com a Doce de Sal, minha antiga banda, mas não conseguia vislumbrar possibilidade de entrar em estúdio, gravar e lançar aquelas músicas todas que tocávamos. Tudo muito caro, mesmo com o país vivendo uma acessibilidade maior de equipamentos, mas ainda assim é muito caro até nos dias de hoje gravar, mixar, masterizar, produzir, lançar. Daí que logo a banda acabou e em 2016 cortei na carne, vendi umas coisas que tinha e com o primeiro salário de um emprego da época paguei toda a gravação do FODA!, que foi lançado naquele ano.

Depois dali só voltei a lançar em 2020, quatro anos depois. Acho que existe, de fato, essa necessidade de extravasar conceitos, mensagens e criatividade, mas também tem ali uma coisa que ficou represada naqueles anos em que não conseguia lançar pela falta de recursos. Hoje em dia, eu me vejo muito mais como um artista de estúdio, inclusive, que de palco, show e estrada. Adoro produzir, arranjar, testar timbres, compor, escrever, ajeitar um verso pra encaixar na melodia, bater cabeça com essas coisas.

Dani – Ainda sobre sua produção constante nos últimos três anos, e sobre a faixa com a participação do Agostinho Torres (escritor), onde ele reclama da falta de apoio dos amigos, etc, queria saber o seguinte: a falta de apoio para engajamento do conteúdo produzido e essa luta constante contra o algoritmo, são sabotadores do processo criativo?

Valciãn – Creio que não, porque se a gente pegar essa faixa que você cita, Meus Amigos Não Dão Like, ela é exatamente fruto do processo criativo levado pela falta de apoio kkkkk. Ou seja, é uma crítica, mas foi exatamente essa ausência dos amigos engajando que motivou a existência da música. Males que vem para o bem kkkk

Esse interlúdio é curioso. Vou contar aqui uma coisa. Essa faixa do disco, que eu usei só como ponte para Solidão do Jovem Preto, é bem maior. Ela é uma faixa completa, daí o Agostinho mandou num grupo que a gente tem e nunca havia postado nem divulgado em lugar nenhum, então eu fui lá e usei a meu bel prazer sem nem avisar a ele, ele só soube que ia entrar no disco no dia que eu precisei pedir os documentos dele pra registrar tudo e enviar o disco para os streamings. Acho que se eu não tivesse feito isso, a música nunca seria divulgada, mesmo que eu tenha usado só um trecho dela. Ela é bem maior e o povo tem curtido bastante só o trecho que entrou no disco. Acho que muita gente se identificou ou se doeu, de alguma forma ahushausha

Rubens – Pegando esse gancho sobre a participação do Agostinho em “Meus Amigos Não Dão Like”, há também um momento fofura no disco, uma participação de seu sobrinho, certo? Acho incrível como você consegue pegar algo simples e musicar, como em “Sem Tempo”, do Nada Tem sido Fácil Tampouco Impossível. Fale um pouco sobre essa forma de transformar algo trivial em música.

Valciãn – Ótima pergunta, principalmente porque olha pros discos anteriores. Em 2020 tava em alta no youtube vídeos nos quais a galera pegava o áudio de algum vídeo que havia viralizado nas redes sociais e transformava aquilo em música. “Sem Tempo, Irmão”, surgiu por conta desse remix aqui, https://youtu.be/uIVEuZvIHsA

Daí que meu irmão havia me enviado uns áudios e me desafiou a musica-los. Eu também aceitei e eu mesmo me desafiei, aí saiu essa faixa, que também é um interlúdio de N.T.S.F.T.I.

Já a track “Titi”, de S.O.V.D. surgiu assim: eu ia tocar em um evento no Bueiro do Rock, aqueles eventos lives durante a pandemia, e estava montando uma abertura para o show. Tinha uma contagem regressiva e, ao final, pensei de por a voz do meu sobrinho me anunciando enquanto atração, citando meu nome. Pedi minha cunhada para gravar ele falando meu nome, ficou tão fofo, lindo e ao mesmo tempo musical, que veio  ideia de musicar e criar um tema infantil. Eu converti o áudio, joguei na DAW, descobri o tom e comecei a criar. Nesse ponto é interessante ver que um ano depois, ela encaixou bem no disco, mesmo que eu não tivesse na época do show o conceito definido do álbum.

Rubens – O amor parece ser uma constante em seus temas. Percebe-se isso no Nada Tem Sido Fácil Tampouco Impossível, e de forma mais exacerbada neste disco novo, inclusive com três músicas com a palavra “amor” nos títulos. Impossível alguém não se identificar em algumas passagens. A arte se confunde com a pessoa nesse romantismo?

Valciãn – Muuuitíssimo bem notado. Seus Olhos Viam Deusas é 100% amor. Eu queria me testar enquanto compositor, sentir se eu conseguia compor canções que as pessoas se identificassem de cara, na primeira audição e tem rolado demais. Mesmo na faixa Solidão do Jovem Preto, que embora seja sobre amor e auto amor e tenha uma pegada mais incisiva, as pessoas tem se identificado bastante com ela, mas também com Espírito da Intimidade, Amor Verdadeiro e as outras.

Tem umas curiosidades nesse álbum que prefiro que as pessoas pesquem, ele é quase uma dissertação, cito, direta ou indiretamente, pelo menos três autoras negras que publicaram sobre esse tema, que falaram do quanto ele é caro para nós, negros. Mas a maior parte do disco são canções que compus a partir de situações e personagens que eu mesmo criei. Amor Pra Recordar é muito isso, eu não conheci nenhuma garota que foi ser modelo em Milão e Paris kkkkk, mas essa temática de amor juvenil que acaba quando alguém se muda, por urgência, necessidade, perde o contato com namoradinho é muito circular, a gente traz isso no inconsciente pela literatura, cinema e pela nossa própria vivência. Até na música mesmo, tem aquela do Gian e Giovani, que depois o Vavá também regravou: “num cantinho rabiscado no verso/ela disse: meu amor, eu confesso/estou casando, mas o grande amor da minha é você” kkkk.

Valciân Calixto. Foto: Divulgação.

Dani – Ainda sobre o amor, destaco o amor-próprio e a autoestima. Na canção “Solidão do jovem preto” você fala disso, dos estigmas que o homem preto sofre por culpa do racismo, e do tanto que isso te prejudicou nas relações. Sabemos que o homem negro é um corpo hipersexualizado, ao mesmo tempo que crescemos (aqui me incluo, pois mulher negra) acreditando que o belo não está associado à negritude. Como essa autoestima foi construída, em que momento você passou a se amar, a se achar belo?

Valciãn – Porran, uma boa questão. Nem sei se essa autoestima foi, de fato, soerguida/construída dentro de mim. Eu me considero genial, genioso, talvez minha maior beleza seja reconhecer meus limites, meu lado positivo e negativo, qualidades, defeitos, hipocrisias e contradições e entender até onde posso ir dentro dos contextos e conjunturas da vida.

Porém “belo”, “belo”, no sentido que a sociedade entende, não sei. Eu me acho, talvez, mais enigmático que belo e sei que há alguma beleza nesse meu enigma. Nem sei se enigmático é a palavra certa também. Mas tem alguma coisa que interessa as pessoas, no que eu falo, em como eu abordo as coisas, sei lá kkkk

Em Espírito da Intimidade eu começo falando que a palvra Amor não é mais suficiente, que precisamos inventar uma nova. É a mesma coisa com isso de “belo”. Talvez a gente nem precise inventar algo novo, mas recorrer, voltarmos ao nosso passado, buscar quem veio antes de nós e seus conhecimentos.

Entretanto, o que eu sei e posso dizer é o seguinte: o nosso corpo capta estímulos muito antes de racionalizarmos, que, ao vermos alguém, consideramo-nos belo. Algo na pessoa te atrai muito antes de você se dar conta racionalmente disso, que você está sentindo atração. Daí quando você percebe na sua cabeça que algo na pessoa está te despertando interesse, desejo, tesão ou o que for, é que você assume ou identifica algo de belo nela, você cria ali e empresta à pessoa alguma beleza, que na verdade, essa beleza é sua, não do outro, você é quem diz, quem acha, quem considera o outro belo, ou não. É o lance do: “fulano não é bonito, mas é simpático, então já ganha ponto”, ou de outro viés: fulana pode ser linda do jeito que for, mas só de ser arrogante, chata, prepotente se torna feia” e por aí vai.

Eu poderia falar laudas sobre essas questões, que são sempre atravessadas por tantas outras. E eu me considero belo, bonito ou o que for por ter esses pensamentos hahaha e conseguir explaná-los de alguma forma, na música, em rede social, numa conversa trivial ou qualquer coisa assim. E por fim, para sentir prazer, não é necessário beleza. O mero contato dos corpos, dos órgãos se ajeitam e geram esses estímulos quando há disposição e interesse. Belo é o conceito, o significado. Considerar, emprestar beleza a algo ou alguém é (tornar) o significante, lá segundo a teoria do Benveniste.

Rubens –  Ano passado, durante as apresentações das lives da Mostra de Arte do Bueiro do Rock, tivemos o privilégio de assistir ao vivo praticamente todos os shows, o seu show foi o melhor que vimos. Mas percebe-se, infelizmente, que você não se apresenta com tanta frequência ou com a frequência que a qualidade do seu trabalho requer. Falta espaço, oportunidade etc?

Valciãn – O que pega é o seguinte: antes da pandemia tinha os meninos que colavam comigo, tocavam comigo. Veio a pandemia e todo mundo foi fazer algo diferente na vida, muitos se afastaram da música, deixaram até de praticar o instrumento, um foi focar em artes marciais, outro mudou de cidade, outro, sei lá, caminhos da vida mesmo e meio que a cena da qual eu era mais inserido também deu uma enfraquecida. Para essa live, por exemplo, que você citou, todos que tocaram comigo eram músicos profissionais, cachê pago, diferente da galera que antes colava comigo e topava qualquer insanidade de jovens. Mas nem eu sou tão mais jovem também kkkk. Assim preciso de um mínimo de segurança e estrutura nesse sentido. Tem o fato de que a sonoridade que eu atingi nesses últimos discos pede uma banda mais completa, com pelo menos teclado e uma boa percussão e só para achar tecladista hoje em Teresina é difícil, galera toda é da noite mesmo.

Por esses e tantas outras razões é que para eu tocar hoje é preciso um investimento mínimo considerável, para ensaio, para deslocamento dos músicos e para a apresentação em si. Mas tá todo mundo falando que eu tenho de fazer pelo menos um show de lançamento do disco, bora ver o que rola, o tempo dirá kkkk Eu também não tenho mais a ansiedade de antes e tenho a consciência de que não vou virar uma Marina Sena da vida, rodar o Brasil e a Europa. A gente não pode se enganar nesse jogo…

Rubens – Sabemos que suas produções são feitas no Calistúdio, como é chamado seu home studio. Mas sempre há alguma parceria quanto a mixagem/masterização e/ou participação nos seus trabalhos, como várias nesse disco. Isso é uma troca que você sempre procura, certo?

Valciãn – Lá no início do papo falei um pouco sobre como foi gravar o FODA!, né.  No N.T.S.F.T.I. um amigo das antigas do meu pai fez um preço bom e eu mesmo consegui pagar em suaves parcelas durante os 12 meses de 2020 kkkkk.

Já no Macumbeiro 2.0, de 2021, eu mesmo tive que aprender a mixar e masterizar pra conseguir lançar. Saiu uma mix dura, mas funcional.

E em Seus Olhos Viam Deusas, o Fernando Bones, que é um artista que conheço há uns cinco anos ou mais, por acompanhar e gostar do meu trabalho facilitou essa nossa parceria, muito boa, por sinal. Sem ele o disco jamais teria saído esse ano e jamais teria a qualidade que tem mesmo tendo sido todo gravado dentro de um quarto sem nenhuma acústica adequada. Ou seja, o Bones fez milagres. A gente pensa e sonha muito em fazer outros trabalhos juntos, de eu trazer ele aqui, ou eu ir até Minas Gerais e a gente produzir algo juntos, assim do zero. Mas aí só o tempo dirá, eu torço muito e agradeço mais ainda já pela parceria desse ano.

Rubens – Você faz música sem rótulos ou estereótipos, tanto que é complicado classificar o seu som. Numa mesma música podemos ter baião com pitadas de arrocha, ou uma pegada hardcore com um forró, ou tudo isso ao mesmo tempo. Você acha que o fato de não se encaixar em um rótulo faz com que seja incompreendido muitas vezes? Parece que o seu trabalho é mais reconhecido Brasil afora, que em sua própria terra.

Valciãn – Hoje, mais que nunca, Música é fluida. A Ludmilla tá cantando pagode no Numanice, sabe. O João Gomes é fã do Don L e por aí vai. Desde sempre eu valorizei o que a música pedia, a intenção da música, a busca para que ela soasse da melhor maneira possível, tivesse a melhor cadência possível. Também experimentei bastante e nisso é que nenhuma música minha é igual ou parecida ou lembra alguma outra anterior. É positivo no sentido de empurrar as barreiras, os limites da própria Música em si, em termos de produção e arranjos e seria uma cilada se eu mirasse a indústria mainstream. Mas até, citando a Marina Sena, novamente, que já é mainstream, toca em grandes festivais dentro e fora do Brasil, ela misturou funk e reggae ali na faixa Seu Olhar. Quer dizer, ela não, o Iuri, que é o produtor musical dela kkkk

Mas mais respondendo sua pergunta e menos refletindo, sim, rola uma incompreensão grande. Nem meus amigos entendem kkkkkk. Um amigo disse que era pra eu lançar um disco só de rap depois que ele ouviu Solidão do Jovem Preto. Ele disse que era foda tá ouvindo um rap e depois cair num arrocha kkkkkkkk Eu só acho engraçado, acho que eu gosto, enquanto artista, de causar essas sensações nas pessoas, fico feliz por isso, pelo choque, o estranhamento, sei lá.

Rubens – Alguma previsão de show de lançamento do disco ou algum outro evento de divulgação?

Valciãn – Tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo na minha vida agora kkkk eu lancei o disco no olho do furacão, lancei o disco num dia, me mudei dois dias depois, vários trampos alternativos pra manter pelo menos os lançamentos, então no momento, show de lançamento só se rolar mesmo bons convites e incentivos, preciso ser sincero.

Valciãn Calixto. Foto: Divulgação.

Dani – Valciãn, vivemos tempos em que o ódio impera na sociedade. Estamos cada vez mais reativos, propensos a cairmos nesse redemoinho de hostilidades que as redes sociais se tornaram. O que acontece no virtual acaba refletindo na vida real. Como você tenta não se contaminar por esse ódio, apesar do racismo, da intolerância religiosa? O amor ainda é uma saída e possibilidade? Você tem esperança por dias melhores?

Valciãn – Pra gente não se contaminar com o ódio é eu, você e Rubens frequentarmos os mesmos espaços, nos encontrarmos, mantermos diálogo para além dessa entrevista, eu ir num evento de literatura que você organiza, comprar dois livros seu, ficar com um, presentear alguém com o outro. Pra mim isso é amor, não o tal do amor romântico, né, é afeto, é presença, é participação. O Rubens perguntou se tenho previsão de show, eu tenho mais ido assistir shows e ido a eventos do que outra coisa. Me interessa muito essa nova geração de artistas que ocupam as praças promovendo as batalhas de Brega Funk no Promorar, no Dirceu, as batalhas de Rap, iniciativas totalmente orgânicas, sabe. Assistir um show do Raifran, da Wirk e ver que eu tenho uma estrada e tentar fortalecer a deles, nem que seja com minha presença ali no público.

Eu acredito sinceramente, falando hoje, em dias melhores, porque eu tenho colhido isso, tenho buscado isso, tenho construído no meu círculo, tenho cedido, tenho idealizado menos e lidado com o lado real da vida que pede que a gente saiba negociar muito mais que ser intransigente dentro de contextos que estão muito fora do nosso alcance real transformá-los ou destruí-los. Agora, evidente, também que eu sei que haverão os enfrentamentos, como eu disse ao longo da entrevista, a gente não pode se enganar, vai ter o intolerante no caminho, vai ter o playboy, os frustrados vão surgir querendo destruir tudo que você tem buscado construir por ele não ter um pingo da sua força de coragem, vai ter tudo isso e muito mais, mas é aquilo: Nada Tem Sido Fácil Tampouco Impossível.

Dani – Valciãn, muito obrigado pela conversa. Desejamos sucesso no seu trabalho e disco novo.

Valciãn – E vou finalizar falando sobre o Amor. Eu tinha escrito um texto para compartilhar no dia do lançamento de Seus Olhos Viam Deusas, mas acabei só deixando guardado e vou usar agora aqui para finalizar esse ótimo papo.

Não acredito em ninguém que não acredite no amor. Não creio na pessoa que fale e afirme com toda sua convicção que não precisa de um amor pra viver. Essa pessoa está mentindo. Mentindo para si mesmo, o que é pior, muito pior. As raízes das árvores se encontram debaixo da terra, estrelas cadentes se atiram do céu em busca de Amor.

A pessoa que enche a boca para acusar o outro de “emocionado”, a pessoa que estufa o peito para bradar que é “desapegada” tá se enganando e uma volta que o mundo dá pode provar. Sinceramente, eu não acredito em quem não acredita no Amor.

Amor “são” muitos. Amor pelo meu povo, meu chão, meu teto, minha arte, minha cultura, minha espiritualidade. De tio, de vó, de sobrinha, entre primos, vizinhos… Quem diz que não precisa de um amor só não teve uma experiência que deixasse boas lembranças. Não é Amor o que traumatiza alguém. Não é Amor o que adoece, o que assedia, o que violenta, o que tira a vida de alguém. Parece óbvio, mas você esqueceu isso. Desaprendeu.

A gente discute tudo: formas de se relacionar, arranjos familiares, aborto, padrões de beleza, pornografia, gênero, raça, mas não discute o Amor. Discutimos pelo Amor, o do outro, quase nunca o nosso. O amor que se desconhece precisa ganhar um sentido, uma conotação, um caminho, sair da cobrança. “Eu sinto que nunca fui amado”. Onde você tem procurado Amor? Cadê sua parte nisso?

E você tá pronto para o medo que o Amor traz, para as dúvidas que o Amor traz, para as inseguranças que o Amor traz, para os diálogos que o Amor produz, você está disposto e aberto à intimidade que o Amor aprofunda?

Recados com pasta de dente no espelho, cartas perfumadas, peito manchado de batom vermelho; orelha mordiscada, prego à noite numa rua deserta; 3×4 na carteira, junto com a oração de São Jorge Guerreiro, porque haja luta pra fazer vingar, pra fazer dá certo e pra lutar é preciso ação, é preciso estratégia; e para Amar é preciso tudo isso, é preciso nada disso, é preciso mais que isso. Sade usou excrementos, Camões preferiu Os Lusíadas a Dinamene e Wilde preso nas provações que o Amor pela Literatura lhe fez enfrentar…

Honestamente, eu não acredito em quem desacredita do Amor.

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