Segundo a boa e velha Wikipédia, o Brega é um gênero musical brasileiro cuja definição como estética musical é problemática, pois não haveria um só ritmo propriamente “brega”, e também porque o termo virou uma espécie de etiqueta para designar a música romântica popular de “baixa qualidade” em geral, com exageros dramáticos ou com uma abordagem ingênua. Existe, portanto, o Brega como expressão de vários outros gêneros musicais, como samba-canção e bolero (principalmente até os anos 50), jovem guarda (anos 60 e início dos 70), sertanejo (anos 80 até os dias de hoje) e tantos outros, incluindo funk e forró.
Para nós aqui, nessa mineração, importa a expressão artística do Rock nacional que, em algum momento, foi rotulada de música “brega”, de um modo tão preconceituoso e limitante, que para muitos é difícil enxergar os elementos do Rock’n Roll nessa vertente, apesar de saltarem aos olhos. Este preconceito, em grande parte, foi o responsável por relegar vários artistas altamente criativos no esquecimento. Sempre achei isso um fenômeno bem curioso e por isso vou tentar fazer aqui uma defesa da tese que, sim, enganaram você: não era Brega, era Rock!
Repare bem: compare a vertente “brega” do sertanejo com aquele tal “brega” dos anos 60/70 da jovem guarda – no primeiro caso, apesar do consenso que esses gêneros privilegiam temáticas cafonas e certa dose de “sofrência”, essa roupagem não é suficiente para classificar o sertanejo “brega” como “inferior” aos outros tipos de sertanejo. Pelo contrário, aquele tem sido, inclusive, o mais celebrado atualmente. Com o Rock, as coisas não aconteceram dessa forma e não vejo outra explicação para isso senão o fenômeno do elitismo cultural militante.
Imagine o cenário, 1967, ditadura militar, censura comendo solta e invasão de ritmos estrangeiros no Brasil. Jovem guarda surge, iê-iê-iê em alta. Logo viria a reação: Tropicália, com uma militância velada contra o regime, que exigia uma bagagem cultural e intelectual para ter sua mensagem compreendida, além da incorporação sutil da música americana/britânica, como elementos secundários. O tipo de música que, em comparação com aquela que vinha fazendo artistas da trupe do Roberto Carlos, revestia-se de sofisticação e de superioridade, por ser engajada em uma causa maior e por seu brio erudito.
Sim, como diria uma fonte altamente científica e confiável, minha mãe, naquela época, os jovens mais antenados rapidamente passaram a escutar Gil e Caetano e deixaram “ao povão” o som do Evaldo Braga, do Paulo Sérgio. Estes, afinal de contas, não eram militantes e, acima de tudo, não faziam “música brasileira”.
Será mesmo?
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a maior parte dos cantores de música romântica da Jovem Guarda taxada mais tarde de “brega” (porque só nos anos 80 foram assim chamados) era de origem muito humilde e, por óbvio, não eram pessoas letradas. Isso é deixado bem claro em um relevante artigo científico, publicado em 2013 como o livro “Eu não sou cachorro não – música popular cafona e ditadura militar”.
Além disso, também com base nesse mesmo estudo, é errado supor que só a tropicália sofreu repressão do governo militar. Várias canções populares também foram censuradas, não pelo filtro da “subversão” política, mas por um viés moral e utilitário, já que letras como “Pare de tomar a pílula” ia de encontro com um programa de distribuição de anticoncepcionais do governo para o controle da natalidade.
Em terceiro lugar, é um erro achar que esse tal Rock cafona não incorporava brasilidade em seu som. Seus representantes vivenciaram em sua juventude o auge do Bolero no Brasil (Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Altemar Dutra etc.) ao mesmo tempo em que viram estourar os Beatles e o iê-iê-iê em todo o mundo. Não é de se admirar o surgimento desse Rock diferenciado, que muitas vezes ficava no limiar do Bolero, e que teria uma licença poética única, ao tratar de temas universais como só brasileiros comuns fariam. Não se trata daquele suposto brasileirismo que consiste em onomatopeias baianas, em frases rebuscadas que, para ser honesto, só o professor de Letras entende, ou em masturbações intelectuais que misturam Tupi-Guarani com Candomblé para rimar com o restante da letra e que o ouvinte mediano entende patavinas. A língua falada por essa geração do Rock era a do brasileiro ordinário (no sentido preciso da palavra) e, por isso mesmo, despida de qualquer pretensão de erudição.
Não está aqui a se menosprezar as manifestações culturais citadas acima. O ponto é insistir no óbvio: a maioria dos brasileiros da época não estava pronta nem interessada para entrar de cabeça em vanguardismos e construções ideológicas. Mais importava para eles ouvir e ver nas canções a sua realidade representada, e assim o é ainda hoje, para o terror dos elitistas ideológicos que, apesar de gritarem aos quatro ventos amar a “cultura popular brasileira”, fazem cara de nojinho ao ouvir Reginaldo Rossi ou Roberto Villar.
É lógico que ninguém é obrigado a gostar de todo tipo de música e, esse fato, por si só, deveria ser suficiente para criar um ambiente de tolerância no meio musical. A música romântica, sim, está imbuída de cafonices e frases piegas, não dá para negar, mas a música não é só letra e nem toda mensagem precisa ser engajada para ser boa. Além disso, o processo de identificação do consumidor de arte com um dado artista nem sempre segue uma razão linear. Há gente que enxerga o sublime na mais vulgar das canções e, o que podemos fazer a respeito disso?
Ainda bem que, apesar da rejeição da crítica e dos intelectuais, a música daqueles artistas “bregas” da geração de 60 e 70, roqueiros com todas as letras, sobreviveu e continua influenciando pessoas ainda hoje. É só ver, aqui mesmo em Teresina, o trabalho da banda Cine Hollywood e até mesmo da Validuaté.
Por falar nisso e antes da nossa playlist temática para provar de vez que estamos falando de Rock’n Roll e para tirar do baú vários artistas esquecidos e outros pouco lembrados, chamo atenção para o lançamento da Cine Hollywood, “para não dar azar”, que tem tudo a ver com o que estamos falando aqui. Vale a pena conferir, hem?
Enquanto escuta as músicas da nossa seleção, repare na batida, nas guitarras, nos timbres de teclados e depois imagine uma voz cantando em inglês. Ninguém, em nenhum lugar do mundo, duvidaria que se trata de Rock. Mas o Brasil é sempre um caso à parte, não é mesmo?
Obs.: Por mais estranho que pareça, ocorreu que uma das músicas da nossa playlist não está disponível no Spotify, mas somente no Deezer (primeira vez que vejo algo assim acontecer). Para que os usuários do Spoti não deixem de entender a capa dessa edição, segue abaixo a canção “Amor e Desprezo”, de Rossini Pinto, o Rei das versões da Jovem Guarda, um dos principais nomes do movimento.
*Yuri Cavalcante
#O Minerando é uma parceria com a Teresina Cidade Invertida. Para conhecer melhor o trabalho deles acesse @theinvertida no Instagram e Twitter.
Deezer:
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