Pode poesia no posto de saúde? Editora lança obra em formato phygital via criptomoedas

Livros

O cotidiano no ‘postinho’ durante a pandemia da covid-19 foi transformado em versos no livro de estreia da psicóloga e poeta gaúcha Janaína Steiger, em obra financiada por meio de moeda digital e publicada pelo NADA∴Studio Criativo

Com aposta no ecossistema de criptomoedas como alternativa de viabilização financeira no mercado editorial, o NADA∴Studio Criativo lança primeiro livro no formato phygital — que existe simultaneamente nos formatos físico e digital, com tiragem limitada. Trata-se de  “Olhos em vírgula — um percurso poético pelo cotidiano da saúde pública” (132 pág.), livro de estreia em poesia da psicóloga, trabalhadora do SUAS (Sistema Único de Assistência Social) e especialista em Saúde da Família e Comunidade Janaína Steiger (@janasteiger). 

Originalmente um Trabalho de Conclusão de Residência na especialidade de Saúde da Família e Comunidade, o livro aborda de maneira poética o cotidiano da saúde pública numa interlocução entre literatura e vida real. A obra foi construída a partir de teorias e práticas vivenciadas pela autora durante o período de pandemia da covid-19 e é apresentada na forma de poemas, estabelecendo um importante diálogo entre psicologia, saúde pública e poesia. Com orelha assinada pela escritora, artista e arte educadora Agda Céu, e prefácio do professor, pesquisador, pedagogo e doutor em Educação Elisandro Rodrigues, “Olhos em vírgula” tem como seus temas principais a rotina profissional dos trabalhadores da saúde, a pandemia e suas consequências e os desafios da saúde pública, sempre levando em conta a interseccionalidade. 

Esta publicação é um primeiro experimento do NADA — híbrido de ateliê de criação multimídia, produtora cultural & editora independente — utilizando a blockchain NEAR Protocol visando obter mais transparência tanto da distribuição quanto nos processos de produção dos livros, assim como na utilização de criptomoedas para compra de livros e no financiamento de novos projetos editoriais. Na comunidade NEAR, composta por criadores, desenvolvedores e entusiastas da web3 — a próxima geração da internet, onde os usuários têm mais controle e privacidade sobre seus dados —  existem as Organizações Autônomas Descentralizadas (DAOs), que avaliam propostas de financiamento, como os custos editoriais e de impressão de um livro

A viabilização de “Olhos em vírgula” contou com apoio da Writers’ Guild (coletivo de escritores de todo o mundo reunidos na rede NEAR) para realização da sua primeira etapa, que resultou na versão NFT do livro, e do NADA DAO para a segunda, que contemplou a impressão da obra. A tiragem inicial será de 200 exemplares, sendo 100 exemplares distribuídos gratuitamente para serviços de saúde e bibliotecas comunitárias da cidade de Porto Alegre (RS), e outros 100 exemplares serão comercializados pela editora. Quem optar por comprar a versão NFT terá direito a solicitar o impresso e vice-versa.

Um olhar sensível para a saúde

Janaína Steiger. Foto: Marcelo Ripoli

Janaína Steiger nasceu em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. É escritora, poeta, psicóloga, trabalhadora do SUAS (Sistema Único de Assistência Social) e especialista em Saúde da Família e Comunidade. Também é coautora do livro “Cidade Cinza” (Editora Metamorfose, 2019), possui poemas, crônicas e contos em diversas coletâneas e integra a equipe de poetas do portal Fazia Poesia

De 2020 a 2022, atuou na Unidade de Saúde da Atenção Primária (ou, como é afetivamente denominado, “postinho”), sendo esse livro resultado dessa experiência que ela precisou formular em versos: Nos diziam ‘linha de frente’ e eu enxergava uma linha vazia de uma caderno em branco. Precisei escrever. Pra fazer da palavra e do meu corpo, linha. Com o intuito de tentar transmitir algo — tecer remendos — daquela experiência de ser vetor de transmissão e heroína, salvação e risco.” 

Durante a escrita de “Olhos em vírgula”, três livros foram essenciais para o processo de criação da autora: “O humano do mundo” da Débora Noal, “Pacientes que curam: O cotidiano de uma médica do SUS”, da Júlia Rocha, e “Livro sobre nada”, do Manoel de Barros. Também são suas influências literárias nomes como Conceição Evaristo, Aline Bei, Manoel de Barros, Ana Martins Marques, Viviane Mosé, Agda Céu e Luna Vitrolira.

Com um projeto gráfico unindo versos com fotografias do cotidiano da poeta e psicóloga, a obra convida o leitor comum a adentrar em um universo de cuidado, acolhimento e trabalho como parte, não mais só como possível paciente. Assim, Janaína constrói um livro capaz de tocar qualquer leitor que se permita circular pelo “postinho” a partir dos poemas que evocam a atenção plena, a escuta ativa, o factível, o sensível e a observação de presenças e ausências nesse espaço essencial. Como escreve Agda Céu: “Janaína escuta o mundo para ouvir a si e ao outro poeticamente, buscando o desejo de vida, para a criação de novos lugares possíveis e habitáveis”.

Elisandro Rodrigues, no prefácio, também ressalta o quanto “Olhos em vírgula” se constrói e se faz poderoso por trazer a sensibilidade como força, como parte do universo humanitário e humano. “Os poemas aqui apresentados são atos de pensamento que narram poética e politicamente o cotidiano de formação e de trabalho, mostrando uma dimensão sensível no campo da saúde”, define. “O que lemos é um manifesto, uma pausa na luta —como lembra Manoel Ricardo de Lima — ou poemas para ler antes das notícias — como aponta Alberto Pucheu — ou, ainda, simplesmente poemas para se ler em uma unidade de saúde.“

“A minha escrita é uma escrita do cotidiano, que alterna imagens e lacunas, o factível e o sensível, o macropolítico e o singular. Ora sussurra, ora grita”, define a autora, que tem um projeto embrionário de romance e deseja desenvolver um mestrado com base no seu trabalho atual, dentro do SUAS, que compõe juntamente ao SUS a rede pública intersetorial.

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