“Quem descobriu o Brasil não foi Cabral”: baiano Felipe Ferreira repensa origens portuguesas sob perspectiva decolonial em novo livro

Livros

Em história protagonizada por uma mulher que retorna às suas raízes familiares, “Cali-ce”, de Felipe Ferreira, aborda temas como pertencimento, identidade, maternidade, feminismo e o processo de colonização e independência

“Portugal é o berço e o caixão”. Li num dos poemas da Matilde
Campilho e isso nunca mais saiu de mim. Nascimento e morte. Entre
elas, não consigo cravar com precisão se atravessei o oceano, ou se
foi ele que me atravessou deixando um vão. De certo, só sei que
alguma versão de mim havia ficado do outro lado da margem no
fluxo entre os passados e o agora, que é sol um só na cabeça.

Trecho do livro “Cali-ce” (pág. 111)
“Mergulhar em um livro dele [de Felipe Ferreira] é estar em águas com constantes
movimentos. É pisar em terrenos desconhecidos e reconhecê-los. É respirar possibilidades e
sentir o peito incendiar. Água, terra, ar e fogo. Os elementos. Todos. Porque a escrita de
Felipe tem uma ligação com tudo que é firme, forte, leve e quente.”

Carlos Riegel, que assina orelha de “Cali-ce”

Terceiro livro do escritor, jornalista baiano Felipe Ferreira (@ostrafelipe), “Cali-ce” é um romance que parte de relações familiares e a busca pelas próprias raízes para tratar sobre pertencimento, identidade, maternidade, feminismo e o processo de colonização e independência. Publicado de forma independente (2022, 132, pág.), a obra conta com a orelha assinada pelo mediador literário Carlos Riegel e o prefácio pela jornalista e redatora Liz Santana.

Com a epígrafe que diz “Quem descobriu o Brasil não foi Cabral”, da MC Carol, Felipe Ferreira posiciona seu livro como uma contestação das ideias pré-concebidas do que foi a colonização do Brasil. “A premissa surgiu da ruptura de uma irmandade vizinha que eu tinha no meu imaginário entre Brasil e Portugal e da ideia romantizada do processo de colonização que nos ensinam na escola”, explica. “A partir disso vieram outras questões culturais, sociais, familiares e raciais que atravessaram a narrativa.”

No prefácio, Liz Santana destaca que a protagonista da obra, Alice, vive no limite entre duas culturas, uma originária da outra. Para ela, Portugal e Brasil se conectam novamente através dos laços familiares da personagem. Sendo assim, “Cali-ce” é uma história que se desdobra a partir de dilemas pessoais dessa personagem, mas trata também do contexto que torna esses impasses assuntos essenciais nos debates contemporâneos. “Com uma escrita fluida, [Felipe Ferreira] nos leva a lugares de discussão, mas ao mesmo tempo, a locais confortáveis”, destaca no texto.

“Felipe cria histórias com referências deliciosas de quem muito vive e aprecia. De quem estuda e abraça. Do seu país, de outros, dos nossos. De quem gosta de gente, do tato, do olfato, do paladar”, aponta Carlos Riegel, que assina a orelha da obra. “Sua obra nos faz entender melhor a globalização, as possibilidades que ultrapassam barreiras.”

Entre Matilde Campilho, Itamar Vieira Junior e Lélia Gonzalez

As principais influências literárias do escritor baiano são Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu, Conceição Evaristo, Aline Bei, Carla Madeira e Flavio Cafiero. Mas, especialmente no novo livro, destaca os títulos: “Jóquei” da portuguesa Matilde Campilho, “Saga lusa” de Adriana Calcanhotto, “Torto arado” de Itamar Vieira Junior, “Retratos do Brasil negro” de Lélia Gonzalez, “Vence demanda” de Luiz Rufino e “Contra os filhos” de Lina Meruane. Alguns, inclusive, são citados direta ou indiretamente no romance.

Cali-ce. Foto: Adriana Sá

Mas a música também tem forte conexão com o autor e o nascimento de “Ca-lice”. “Escutei muita música portuguesa (que não se limita apenas ao fado), assisti a novelas portuguesas e regressei às minhas aulas de literatura na graduação. Foi uma imersão e uma remontagem da nossa história como projeto de nação, da nossa luta por independência e do nosso papel como indivíduo e cidadão desse território”, conta Felipe, que define seu estilo literário como sensorial, experimental, intuitivo e com linguagem despretensiosa. “Tento trazer na minha escrita temas e questionamentos que eu procuro no que consumo enquanto público. A representatividade e a diversidade são um guião, um farol do meu processo de escrita. E isso também abrange o que procuro nos livros, nas telas e muitas vezes não encontro”, ressalta.

Felipe Ferreira. Foto: Adriana Sá.

Um novo romance está por vir: será uma história ambientada numa cidade do interior do Nordeste, sobre irmãos gêmeos, contada por uma “perspectiva emocional e conflituosa”. “Não haverá separação de bebês, saga para encontrar o gêmeo desaparecido, gêmeo rico, gêmeo pobre… O esteio da trama será a antítese umbilical entre eles”, revela Felipe, que se define em estado permanente de escrita. “É um processo cotidiano de observação, de estar atento aos estímulos internos e externos mais inesperados”, observa o baiano do Recôncavo, nascido em Santo Amaro da Purificação. Formado em Letras pela Universidade Católica de Salvador (Ucsal) e pós-graduado em Estudos Culturais pelo Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge), Felipe já escreveu dois livros — “Griphos Meus” (2014) e “Desmembro” (2020) — e colabora com veículos de comunicação desde 2014, sendo também colunista do coletivo de escrita Indra.

Adquira “Cali-ce” diretamente com Felipe Ferreira no Instagram: @ostrafelipe

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