Em “O Segredo das Lantanas”, escritor paulista narra a noite de um homem que não consegue dormir e que se envolve em histórias intrafamiliares perturbadoras
Era para ser uma noite comum, mas Humberto, por uma série de motivos, não consegue dormir. Este é o ponto de partida do “thriller interior” do escritor paulista Rafael Martins (@rafaelmartins.esc), “O Segredo das Lantanas” (104 pág.), publicado pela Editora Patuá. O romance acompanha a história deste homem que, em meio a noite conturbada e insone, deixa escapar um passado repleto de traumas e segredos, e um presente cada vez mais instável e obscuro. Com várias camadas de interpretação, a obra pauta a complexidade humana por meio do choque e do desconforto, passando por temas como ressentimento, trauma, repetição de comportamento, recalque e abuso sexual.
Em meio à vertigem causada pela privação do sono, o leitor vai conhecendo, hora após hora, a história de Humberto, que é cada vez mais visitado por lembranças, pensamentos e fragmentos de sonhos, que assombram sua existência. A tensão aumenta com o avanço da madrugada e acontecimentos estranhos vão perpassando a narrativa que, sob a perspectiva de Humberto, deixa transparecer uma série de pontas soltas e um possível enredo não dito.
Reviravoltas e descoberta dos segredos mais sombrios
No começo da história, a premissa parece banal: um homem que escova os dentes e tenta dormir. Ao se deitar, no entanto, entramos em contato com Carolina, esposa de Humberto, que lhe tira a possibilidade do primeiro sono. A partir daí, o leitor acompanha a angústia de Humberto em capítulos cujos títulos vão nos mantendo alerta para o passar das horas do relógio. Conhecemos, então, outras figuras que compõem o romance, como o avô, a mãe e a tia de Humberto; Dona Laurinda, a vizinha; o Sr. Pereira, o patrão e Patrícia, filha de Carolina e enteada de Humberto.
O autor explora a ambivalência entre a história simultaneamente simples e complexa que compõe o romance. “Ele tem uma linguagem simples e fluida, e foi constituído para que o leitor compreenda, com facilidade, o que foi dito, mas, também, para que ele perceba um certo não dito”, comenta Rafael, frisando que o importante é que “se leia além do que está escrito”. “As respostas não são entregues, mas sugestionadas”, completa.
Para isso, o escritor faz uso de um narrador inspirado nas obras de Machado de Assis, uma de suas influências. Logo, Humberto não é um personagem a quem se possa confiar, mas se deve acompanhar com suspeita. “Chocar com os temas abordados em suas diversas camadas e surpreender com um final, que exige uma certa perspicácia do leitor. É um livro que foi concebido para desafiar o leitor”, aponta Rafael, que também cita como referências literárias os escritores Gabriel García Márquez, Kafka, Dostoiévski, Milton Hatoum e Sérgio Sant’Anna.
Tanto é verdade que “O Segredo das Lantanas” possui uma segunda parte com reviravoltas que colocam passado, presente e futuro frente a frente. Trata-se de um romance intrigante, que explora o infamiliar; toca em temas sensíveis, como a violência que se realiza, por vezes, sorrateiramente; e arrebata o leitor com revelações perturbadoras.
Uma literatura ruminante, que deixa um retrogosto
Natural de Campinas, interior de São Paulo, Rafael Martins, nasceu em 1982 e conta que sua trajetória como escritor foi traçada desde menino — muito tímido, escrevia diários e contos em folhas de fichário. Foi só depois de muitos anos, quando já formado em Direito e Procurador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que resolveu se arriscar no mundo literário. Estudou muito Assis Brasil, James Wood e Prose e, após vasta pesquisa, desenvolveu um trabalho mais técnico, com preocupação com linguagem, enredo e personagens.
Em “O Segredo das Lantanas”, tentou passar a perna no leitor: “Alguns relatam que ruminaram o livro por dias, outros dizem que fizeram uma prazerosa releitura… Enfim, é um livro que deixa um ‘retrogosto’. Ele fica na cabeça porque não entrega tudo e permite que o leitor também faça parte da construção da história”, comenta.
E nada está ali por acaso, tudo, cada vírgula foi planejada: “Não tem nada por acaso, não é fruto de escrita espontânea, muito pelo contrário: é todo deliberado”, finaliza.
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