“Caparaó”, primeiro livro do escritor e produtor cultural Ricardo Pecego, narra a partir da perspectiva de um menino, dilemas emocionais do amadurecimento e desenvolve uma trama repleta de reviravoltas e críticas sociais
O caminho da infância à juventude é sempre permeado de uma certa aridez provocada pela solidão de descobrir quem se é, misturada ao desafio de diferenciar-se dos outros e ao ímpeto de conceber os próprios sonhos. É essa fase da vida de Kiko, personagem principal de “Caparaó” (editora Giostri, 120 pág.), que acompanhamos na obra ficcional de estreia de Ricardo Pecego (@ricpecego), que já conta com uma carreira longa como produtor cultural e agora consolida seu nome como escritor.
O título do livro é uma referência a um município mineiro, interiorano, formado predominantemente por trabalhadores do campo e fazendeiros. Foi nesse lugar que Kiko nasceu e dele se despediu no início da obra, quando migra para o Rio de Janeiro com seus pais. A intenção da família era deixar a vida dura da roça e se estabelecer em um lugar mais acolhedor e próspero. O endereço era a casa de parentes, em uma comunidade carioca.
O novo ambiente, pequeno, apertado e vigiado, mostra-se enfadonho para Kiko, acostumado à vida livre do campo. A saudade de Caparaó atravessa o menino o tempo todo e é determinante nas escolhas do protagonista ao longo da obra. Nos oito capítulos que formam o livro vemos o garoto conhecer os meandros de um Rio de Janeiro ambíguo, das belezas naturais e da selvageria urbana, o exílio das ruas, as agruras da privação de liberdade, o dissabor de um retorno e a brutalidade da paixão.
O pano de fundo desse enredo evidencia temáticas contemporâneas, como violência urbana, corrupção policial, desigualdade social, evasão escolar, com destaque para a problemática do êxodo rural e especulação imobiliária nessa região. Ricardo traz, em sua narrativa, cada um desses assuntos sem parecer professoral ou acadêmico, fazendo com que eles se encaixem naturalmente no cotidiano das personagens.
Ricardo afirma que buscou escrever Caparaó numa linguagem acessível, ainda assim detalhista e reflexiva. “Utilizo muitos acontecimentos reais que podem dar tom à trama ou a algum personagem. Gosto de caracterizar pessoas que conheci”, conta. O resultado desse esforço é a construção de um livro instigante que vai cativar o leitor a cada página, como também conduzir a inevitáveis reflexões sobre a sociedade atual.
Dedicação à escrita
“Caparaó” é o primeiro livro de Ricardo Pecego. A obra nasceu como um conto, o autor mostrou o rascunho a um amigo que sugeriu transformar em um livro. Ricardo acatou o conselho e decidiu alongar o enredo, incluir mais elementos e transformar a história num romance. Da sugestão do amigo até a escrita do ponto final do livro se passaram 90 dias. “Escrevo de forma contínua e depois reviso e reformulo, geralmente já sei o final da história e traço a trajetória das personagens com foco no desfecho”, explica o autor.
O processo da escrita, em especial para o livro, conta com uma certa regularidade e constância. “Procuro sentar pelas manhãs e escrever por duas horas, à tarde reviso e reescrevo, caso necessário, ou ainda uso esse tempo para pesquisar e estudar”, explica.
Ricardo Pecego escreve desde 2006. No primeiro momento, admite, compunha histórias longas para a própria apreciação, sem pretensão em publicá-las. Em 2015, começou a exercitar seu lado cronista com colunas regulares no Jornal Megaphone Cultural (Impresso) e no extinto Portal Megaphone. Os textos versavam sobre o tripé: cultura, filosofia e humanidade.
O escritor também atua como colaborador esporádico no portal literário São Paulo Review, além do Jornal Tribuna de Itapira e Itapira News. Produções textuais mais pessoais e reflexivas foram parar no site www.receitas-aprendiz.com, que ele criou em 2020 para dar vazão às próprias ideias e pontos de vista.
Um ano antes, 2019, Ricardo tomou a decisão de se dedicar mais à escrita e então começou a trabalhar no rascunho que no ano seguinte viraria Caparaó. O empenho para materializar a vontade de contar histórias fez com que se dedicasse também a aprender mais sobre literatura. Em 2022, após uma formação em mediação e curadoria de leitura, tornou-se integrante da Rede de Mediadores de Leitura.
A aproximação com o universo literário trouxe um repertório a mais para Ricardo. “Vidas Secas”, clássico de Graciliano Ramos, que narra a história de retirantes sertanejos no início do século 20, influenciou diretamente sua obra, conta o autor. Além do romancista alagoano, fazem partem da biblioteca do escritor, autores consagrados como Érico Veríssimo, Manoel de Barros e Carlos Drummond de Andrade, e os contemporâneos Luiz Ruffato, Conceição Evaristo, Marilene Felinto, Allan Da Rosa e Ailton Krenak, entre outras referências.
Vida profissional no universo cultural
Ricardo Pecego conta com um extenso currículo de atuação profissional relacionado, em especial, à produção cultural. Formado em publicidade e propaganda pela Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), iniciou as atividades na área em 1999 como analista de marketing na General Motors do Brasil. Na empresa trabalhou em eventos como Rodeio de Barretos, Festival de Inverno de Campos de Jordão, Salão do Automóvel, todos em São Paulo.
Durante quase duas décadas se dedicou ao ofício atuando em diferentes empresas e instituições, todas relacionadas com arte. Entre elas se destacam Associação Cultural Ópera Mundi (ACOM), iniciativa ligada a popularização da música erudita, Wooz, Arte & Cultura, organização sem fins lucrativos que promove atividades artísticas e formação técnica e profissional para o setor e Brazil10 & Produtores Associados, empresa promotora de shows internacionais no país.
Trabalhou como produtor artístico de uma série de artistas desde a música erudita até a popular, como Quaternaglia, Duo Bandel Gouveia, Clarice Assad, Thiago Amud, entre outros.
Também foi produtor de shows de nomes importantes do cenário musical nacional como Nando Reis, Eduardo Araújo, Sérgio Reis e Renato Teixeira, O Teatro Mágico e Palavra Cantada, além de promover espetáculos com artistas internacionais como Brian Auger Oblivion Express (EUA), Texas Hippie Coalition (EUA), Boris Salvodelli (Itália), Tohpatti Ethnomission (Indonésia), Soft Machine (UK) e Mahogany Frog (Canadá).
Ricardo teve ainda uma passagem pela gestão pública na prefeitura de Itapira, interior de São Paulo, no cargo de Diretor de Cultura e Turismo , em 2019.
Em 2021, lança-se na podosfera com o Diversidades(@diversidadespodcast), podcast em formato de entrevista que ele produz e apresenta. A proposta, segundo Ricardo, é demonstrar a amplitude que o ser humano pode alcançar. “Procuramos enaltecer boas práticas e pessoas que em sua jornada doam seus saberes, sejam eles em forma de ciência, pensamentos, teorias, ou arte. Pretendo inspirar os ouvintes para que encontrem formas de interagir que sejam benéficas à nossa sociedade”, explica. Na primeira temporada passaram pelo Diversidades Ailton Krenak, Bel Santos Mayer, Luiz Ruffato, Mônica Salmaso e Natália Leal. O podcast está disponível em todas as plataformas de áudio como Spotify, Deezer, Apple Podcast, e outros.
Ricardo também dedica-se com afinco nos últimos anos à carreira literária, e depois de “Caparaó”, trabalha em seu segundo livro, “Sangria”, que deve ser lançado no segundo semestre de 2023.
Confira um trecho do livro “Caparaó”:
A fuga da realidade naquele canto onde a vida acontecia da mesma forma há séculos. Aquela troca lhes dava a vitalidade que precisavam para continuar suas aventuras e vez ou outra retornar. Porém, num dia onde a fuga os levou à Praia Vermelha, os acontecimentos que seguiram quebraram a rotina dos rapazes para sempre. Depois de terem tomado banho de mar, pois era um dia bem quente, seguiram na trilha do morro da urca e subiram na pedra, até uma altura intermediária. Lá no alto se acomodaram e ficaram se entretendo com a rocha e os lagartos, quando perceberam uma movimentação diferente. Testemunharam uma transação entre bandidos que acontecia lá no final da trilha. De um lado os bandidos de farda, de outro os bandidos do morro, trocavam dinheiro por armas na descrição daquele reduto natural. Moisés, que estava numa posição pouco favorável para enxergar o acontecimento e tenta esticar o corpo quando de repente, num deslize de seu pé na pedra escorregou, caindo próximo daquele pessoal no chão. Foi como num piscar de olhos, o rapaz não teve tempo nem de se levantar. Kiko então assistiu a execução de seu amigo ao vivo. O pobre menino teve seu corpo todo furado por balas, ficou deitado no chão sobre uma poça de sangue que se formava ao seu redor, crescendo lentamente, como se fosse num filme.
Adquira “Caparaó”, de Ricardo Pecego, no site da editora Giostri: https://lojavirtual.giostrieditora.com.br/Caparao?search=ricardo%2520pecego