MEMBRANA LANÇA PUBLICAÇÃO COLETIVA SOBRE A URGÊNCIA DE VIVER NO BRASIL

Livros

Aprovado em edital da Fundação Cultural de Curitiba, projeto engloba antologia poética, oficina, performance e videoleituras

Foto: Membrana

O que viver nesse território chamado Brasil aguça, acende e corrói em nossa identidade, imaginação, humor, dores e memória? As inquietações que atravessam essa pergunta foram o estopim para o coletivo Membrana (Curitiba/PR) construir a antologia “Chão Brasil”. 

A obra investiga por meio da poesia e artes visuais os múltiplos significados de ser uma pessoa brasileira no contexto atual. Parte de projeto aprovado e financiado pelo edital “Literatura – Publicações” da Fundação Cultural de Curitiba, a publicação será distribuída ao público gratuitamente.

Quarto trabalho coletivo, “Chão Brasil” é o primeiro a ser lançado em formato livro – nos anteriores, a grupa optou pela confecção de zines – e a ser produzido com incentivo público. A obra reúne 45 poemas e prosas poéticas que transitam por uma diversidade de percepções de brasilidade(s). 

Quando o projeto começou a ser elaborado, o Brasil passava por um momento de indecisão, relembra o escritor e sociólogo Dédallo Neves, um dos autores da antologia. “Até metade de 2022, ninguém poderia dizer com certeza que as coisas mudariam. Chão Brasil foi uma necessidade de afirmar um Brasil que nós, da Membrana, entendíamos e entendemos como deve ser: plural, múltiplo, agregador, o que se reflete na composição da própria grupa”, afirma. Segundo ele, o projeto questiona um tipo de Brasil imposto a todos nós, além da própria noção de nacionalidade, país e territorialidade. 

Os textos da antologia foram divididos por integrantes da obra em três partes, cada uma delas concretiza por meio da escrita um diferente eixo temático. Segundo a escritora e historiadora Jessica Stori, o coletivo escreveu o livro a partir da ideia de chão, desarticulada de territórios e identidades fixas. “Por isso, as poesias escapam e escorrem para muitos outros lugares além das divisões dos capítulos. No entanto, durante o processo de organização do livro, percebemos camadas que se encontravam nos trabalhos”, explica.

O primeiro capítulo “ofício brasil” atravessa as diferentes identidades e formas de se presentificar sob o solo brasileiro. Toca na materialidade da escrita, do que se precisa para escrever e na compreensão de ofício que extrapola o fazer. Já “brasil biquíni” interpreta com ironia, humor e imaginário onírico tudo aquilo que assombra o país, ou, como descreve Jessica, um deboche que escracha e brinca com as quebras de expectativas sobre o chão Brasil. Por último, “feridas brasil” debate memórias e dores de viver e escrever por aqui, “convoca e cavuca estruturas em falência e em destruição a partir de um desejo gritante por invenção e transformação”, afirma Jessica.

CHÃO DE CAQUINHOS

A identidade visual de “Chão Brasil” traz uma reflexão sobre elementos representativos da experiência de viver no Brasil, influenciada pelas conversas e escritos do projeto que tocam a memória afetiva como filtro de barro, a espada de são Jorge protegendo a entrada das casas, o brilho preso ao suor no carnaval. Criada pela escritora e artista visual Natasha Tinet, a colagem que ilustra a capa do livro foi inspirada no chão de caquinhos, popular nas casas brasileiras do século 20 e traz recortes de imagens de chão, terra e azulejos com estampas clássicas das cozinhas de nossas avós. 

Originalmente, esse tipo de revestimento, que se tornou um símbolo da arquitetura e cultura brasileiras, era usado por operários da indústria de cerâmica do ABC paulista em suas casas, materiais que pediam às fábricas onde trabalhavam que seriam descartados por estarem quebrados ou trincados. Logo o chão de caquinhos se popularizou. 

“A história desse piso fala muito sobre o que é Brasil. Sobre a criatividade inerente ao ofício de ser uma pessoa brasileira. Da força de transformar, misturar e criar esse chão Brasil, com pedaços tão sortidos de vivências”, diz Natasha. Para a artista, a Membrana forma um mosaico parecido a partir da diversidade de seus integrantes – pessoas cis, não binárias, transgêneras, neuro divergentes, de várias sexualidades, origens e cores. “A ideia de que existem brasilidades fora da perigosa exaltação do nacionalismo e patriotismo”, afirma. 

Conectada com a concepção da arte de capa, a linha gráfica de “Chão Brasil” evidencia em sua identidade visual uma simplicidade. O objetivo é dar espaço para a materialidade da palavra escrita, como conta a autora e artista visual Thalita Sejanes, uma das responsáveis pela editoração do livro e criadora das ilustrações de “copos americanos” presentes entre os poemas. 

“Os desenhos dialogam com essa questão de simplicidade. Trazem uma linha muito fina, desenho direto. São elementos de um Brasil pela via do cotidiano e da manualidade.” A identidade visual do livro “Chão Brasil” também considera em sua escolha de fonte, tamanho e diagramação a legibilidade e a acessibilidade.

COPOS AMERICANOS

Além de impressas no livro físico, as poesias e prosas poéticas de “Chão Brasil” foram apresentadas ao público em 16 videoleituras disponibilizadas pela grupa pelo Instagram e Youtube da Membrana, todas produzidas por integrantes do coletivo no espaços cultural Casa Selvática. O grupo de artistas responsáveis pela produção audiovisual do projeto desenvolveu para as filmagens uma identidade visual marcada por elementos do dia a dia que aparecem nas escritas do livro, como o filtro de barro e o “copo americano”. 

“Mais do que a presença desses elementos, temos a sua superpresença, sua distorção, o lugar extracotidianos deles. Foram dezenas e dezenas de copos americanos empilhados, cheios de terra, cheios de ar, com cerveja quente e parada até ser despejada”, explica a autora e atriz Luna Madsen, integrante do grupo de trabalho de vídeos do projeto. As videoleituras também dão destaque para o chão em todos seus cenários. “Porque temos esse solo em comum chamado Brasil, nós escrevemos brasileiros, nós escrevemos ‘Chão Brasil’ e então nós lemos e produzimos no chão”, diz Luna.

Todos os vídeos do projeto são legendados e trazem audiodescrição para que a poesia de Chão Brasil seja disponibilizada a um público mais diverso possível, inclusive pessoas com baixa visão, com deficiência visual, auditiva ou intelectual, ou diferentes graus de letramento. 

PLURALIDADE

O lançamento de “Chão Brasil” foi elaborado pela grupa visando transmitir ao público que não conhece a Membrana uma dimensão da pluralidade de artistas que constroem o coletivo. “A Membrana por si é um coletivo que conta com artistas de diversas idades, gêneros, raça e neurodivergências. As ações que envolvem o projeto “Chão Brasil” já são pensadas para agregar o maior número de pessoas em suas singularidades, destaca Semy Monastier, escritora, artista especialista em artes híbridas e uma das responsáveis pela produção do evento. 

Além da distribuição da publicação, o lançamento reúne apresentações de integrantes da Membrana, instalações artísticas e reverberações do trabalho realizado pela grupa. Artistas do coletivo compartilharão com o público um pouco do processo do trabalho a partir do viés criativo e da autopublicação. 

Para garantir a acessibilidade, o evento exibirá videoleituras com legendas e contará com a presença de duas pessoas tradutoras de Libras para as apresentações. “Assim teremos uma comunicação direcionada a pessoas surdas para que de fato esse público venha e conheça o trabalho da Membrana”, explica Semy.

MEMBRANA

Sob a coordenação da escritora, jornalista e produtora cultural Anna Carolina Azevedo, “Chão Brasil” envolve o trabalho de Dédallo Neves, Gizele Carneiro, Hell, Jessica Stori, Julia Raiz, Luciano Faccini, Luna Madsen, Mariana Marino, Mercuria, Natasha Tinet, Rafaela Tavares Kawasaki, Raul K. Souza, Richard Roch, Ronie Rodrigues, Semy Monastier, Thalita Sejanes. Em etapas anteriores, o projeto englobou a oficina de escrita criativa “Ficção Brasil”, ministrada por Julia Raiz e Ronie Rodrigues em setembro deste ano. O livro tem ainda prefácio escrito pelo poeta e artista visual Francisco Mallmann. 

Ativa desde 2017, a Membrana Literária é uma grupa interessada na criação de uma rede afetiva, crítica e colaborativa entre pessoas que escrevem. O coletivo se reúne quinzenalmente para discutir a produção em escrita(s), que transborda para outras linguagens, como artes visuais, audiovisual, música, instalação e performance. Além de Chão Brasil, já lançou o envelope Membrana” (2017) e as zines “Corja!” (2019) e “BRA_IL” (2022).

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